foto de Spencer Tunick

domingo, 4 de setembro de 2011

Ensaio sobre quando o tempo fica à margem II

I
verbos que neste papel
em branco jazerão
busco em vocês a liberdade
que o pensamento
não me permite viver

II
várias foram as vezes que esbocei palavras a fim de me desenlouquecer, p’ra vomitar este verme que me estremece o corpo e dói nos dias que não passo ao teu lado, e nada (como haveria de ser!), mas persisto e a cada nova tentativa antiga procuro redigir sinfonicamente estes vocábulos p’ra te impressionar; por vezes os sustenidos podem soar estranhos, é que a estética do meu dizer é tão marginal que, por mais clássica, não a reconhecem; mas não te percas nas entrelinhas de um bemol

III
te sonharia caso pudesse pensar
em outra coisa senão tu

IV
minha voz desnuda muda o tom das palavras que te direi, subo uma escala p’ra dissertar que de nada valem as mentiras – se te quero é porque meu corpo te deseja!, sem aspas conduzindo à delicadeza vazia da palavra macia; mas não nego que enfeito o meu quarto com o teu perfume

V
eu não só te queria
eu te seria

VI
há tanto quero escrever uma carta p’ra você, evidenciando mentiras, dissertando sobre minha dieta de mau senso, sobre meu teórico suicídio amoroso; e esta está sendo a carta, porque desde quando você se tornou meu foco, ou, desde quando conversamos você virou poesia p’ra mim, você virou tudo porque desarrumou o aqui dentro e porque qualquer coisa era você; ai!, de quando descendo a rua, a ladeira que hoje é memória, voltei correndo em passos lentos p’ra casa, percebendo o verde do mato que tem naquela praça, o rosa da orquídea agarrada à árvore – imperceptível a olhos acostumados –, os degraus que eram todas aquelas ruas da distância que nos separava: poucas casas; a mentira do tio, da capoeira, do barbeiro, de tudo o que fosse p’ra me deixar mais tempo ao teu lado, como se o tempo pudesse resolver morrer (o tempo não morre, ele é no gerúndio, e a nossa proximidade se tornou abismo); inventei pseudônimos, sufoquei vários papeis de tantas palavras que precisavam ser ditas e inventei algumas, inventei momentos futuros, o passado, o eu p’ra te ter por perto: eu não era torcedor, contei verdades, mas falava de futebol p’ra parecer menino moleque; descobri que podia me sentir bem – precisava te ter ao meu lado –, descobri que o amor é uma coisa escrota, ironicamente, porque escrevendo agora escrevo pieguices, besteiras, e ainda sim tenho coragem de tatuá-las neste papel, por mais que eu possa jogar ele fora a qualquer instante; minto p’ra mim sempre p’ra não pensar em ti e gosto de pensar em ti, de forma que odeio pensar porque percebo que sempre sonho no que diz respeito ao teu nome, o teu nome que já não me arrepia mais, mas, ah!, se eu imaginar a tua voz, o teu cabelo liso e o teu carinho falando comigo, se eu lembrar de você real e não do que me representa você... e de como é difícil lembrar o teu cheiro, como dói; você que hoje não é senão retrato p’ra mim, você antes era o meu pensamento quando resolvia viver, você era o meu próprio eu; você me fez mau, eu não precisava de mais alguém – se você resolvesse viajar, eu nem levava roupas; você foi a paixão que quebrou tudo: eu não sabia mais estudar, eu não sabia mais ser amigo, eu não sabia mais ser filho; aliás, de tudo fazia p’ra te ver, nem que fosse passar em frente a tua casa, num caminho absolutamente burro, nem que fosse fazer os amigos passarem em frente a tua casa, p’ra ver se você estava por lá, nem que fosse pegar o pé de uma flauta doce (aquela parte pequena no final da flauta, sabe?) e uma flor amarela no chão suja, colocar esta dentro daquela, e sonhar a beleza do gesto de deixar na porta da tua casa, e eis que sonhando você chegou de carro com amigos, e eu sonhei mais um pouco pensando em destino – pensando em mentiras que desacredito; você era o assunto de qualquer hora, você era a hora p’ra qualquer assunto

VII
eu morreria junto com você sem pensar
em qualquer outra pessoa & eu ainda penso
na possibilidade de a gente fugir e deixar
o tempo, que é o futuro, à margem da nossa vida.

2 comentários:

  1. em última análise vemo-nos sós./

    não se preocupe,
    seu endereço segue no meu caderno
    um dia o carteiro chega.

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  2. (ainda não concretizei uma resposta.)

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