foto de Spencer Tunick

domingo, 20 de dezembro de 2009

Vou tirar você do dicionário

“eu vou tirar do dicionário
a palavra você
vou trocá-la em miúdos

mudar meu vocabulário
e no seu lugar
vou colocar outro absurdo

eu vou tirar suas impressões digitais
da minha pele
tirar seu cheiro dos meus lençóis
o seu rosto do meu gosto (...)

eu vou tirar o sentimento
do meu pensamento
sua imagem e semelhança

vou parar o movimento
a qualquer momento
procurar outra lembrança

eu vou tirar, vou limar de vez sua voz
dos meus ouvidos
eu vou tirar você e eu de nós
o dito pelo não tido

eu vou tirar você de letra
nem que tenha que inventar
outra gramática
eu vou tirar você de mim
assim que descobrir
com quantos nãos se faz um sim”

(in Bicho de Sete Cabeças vol. I, de Itamar Assumpção)

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

A linha lógica do raciocínio (amoroso)

hoje, não vivo mais: morri.
_____________________
(hoje, não morro mais: vivi.)

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Dos versos sexuais: Parte III (ou Hiato)

não sou o teu perfume
não sou a tua sujeira
não sou o teu pé
não sou a tua mão
não sou o teu machucado
não sou a tua unha
não sou o teu suor
não sou a tua afta
não sou o teu lábio
não sou a tua espinha
não sou o teu cílio
não sou a tua sobrancelha
não sou o teu defeito
não sou a tua vida

sou o meu remorso por não te ser.

Morfina

te roubei
pro aqui

Dor do amor

não vou forçar
tatuar palavras
nesse papel
insensível.

Se é dor, doeu.

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

A saudade da loucura

na angústia de não te ter
imagino ações
imaginações

ai, de como é longa a noite
esse perfume impregnado em não lembranças
essa dor de noite que não passa porque penso em ti

Paradoxo amoroso

hoje sou morte
tentando encarnar
em teu corpo

porque vivo
de sofrimento
por não estar em ti

O olho que te acaricia é o olho que te perfura

Prólogo
é de nuncas que a vida se perfaz.

Logo
caminho em caminho diário, das rosas ao ar livre, dos porteiros sinfônicos & das músicas eruditas, e só – até o hoje, porque o hoje é milagre que você desconhece, é o futuro sendo, e, em sendo passado, de surpresas; amigos, risadas, piadas, felizes, ai!, a amizade eterna d’uma noite.

Epílogo
é da madrugada dos lixeiros que não dormem pra colher a merda das nossas casas classe média que a cadela te julgas.

Crônica da Sorte

Parada, jazendo em repouso fotográfico, solitária, pensativa, descansada ou no gerúndio, vai sendo uma Sorte:
– fiques aí, bichinho!
E sempre foi esse sonho de querer guardar o que é certo pra depois eu próprio me cansar e não ser jogado ao léu pelo outro. É o medo traumático de ser descartado, porque agir é mais prazeroso do que sofrer.
– e eu faço de tudo para que fiques aí. te dou casa, comida, cama mesa & banho, abaixo a luz, me movimento cautelosamente, fecho a janela para não ouvires o elétrico incômodo dos carros e outros. te bajulo, te bajulo se quiseres; se não quiseres, nem troco olhares. finjo! finjo verdadeiramente, mentiras que se tornam verdade por exaltação.
Prometia, prometia, prometia e, prometendo acreditei que de promessa se conquista. Achei que falando pudesse te absorver. Achei que jurando, melhor... Parei de enxergar que o que me prende a você é justamente esse medo de te perder, porque a segurança é confortável (e conforto apaixonado não existe), e o medo de ter perder é a própria renovação da vontade. Porque cansar, sendo eu, não é problema, é apenas característica - “sou volúvel!”. Agora resta medo: se a luz se apagar, o que vais fazer? Fugirás correndo? servirás de fantasia pro meu deitar sombrio? ficarás esperando o meu amanhã?

A última carta de amor

a vida só é o que já foi

ao menos deve ser
porque do futuro
– incerto –
resta frieza apaixonada
resta o te quero em todo
menos na cabeça, pensando

porque a vida só é o que já foi
medida e entendida e sentida
e porque não se fala mais nisso.

Ode à dúvida

Se as palavras vivem?