foto de Spencer Tunick

sexta-feira, 25 de junho de 2010

Ensaio sobre quando o tempo fica à margem

Há tanto quero escrever uma carta pra você, evidenciando mentiras, dissertando sobre minha dieta de mau senso, sobre meu teórico suicídio amoroso; e esta está sendo a carta, porque desde quando você se tornou meu foco, ou, desde quando conversamos você virou poesia pra mim, você virou tudo porque desarrumou o aqui dentro e porque qualquer coisa era você; ai!, de quando descendo a rua, a ladeira que hoje é memória, voltei correndo em passos lentos pra casa, percebendo o verde do mato que tem naquela praça, o rosa da orquídea agarrada à árvore – imperceptível a olhos acostumados –, os degraus que eram todas aquelas ruas da distância que nos separava: poucas casas; a mentira do tio, da capoeira, do barbeiro, de tudo o que fosse pra me deixar mais tempo ao teu lado, como se o tempo pudesse querer morrer (o tempo não morre, ele é no gerúndio, e a nossa proximidade se tornou abismo); inventei pseudônimos, sufoquei vários papeis de tantas palavras que precisavam ser ditas e inventei algumas, inventei momentos futuros, o passado, o eu pra te ter por perto: eu não era torcedor, contei verdades, mas falava de futebol pra parecer menino moleque; descobri que podia me sentir bem – precisava te ter ao meu lado –, descobri que o amor é uma coisa escrota, ironicamente, porque escrevendo agora escrevo pieguices, besteiras, e ainda sim tenho coragem de tatuá-las neste papel, por mais que eu possa jogar ele fora a qualquer instante; o fogo que você acendeu, metáfora brega, não se apagou, sequer diminuiu; minto pra mim sempre pra não pensar em ti e gosto de pensar em ti, e odeio pensar, porque percebo que sempre sonho no que diz respeito ao teu nome, o teu nome que já não me arrepia mais, mas, ah, se eu imaginar a tua voz, o teu cabelo liso e o teu carinho falando comigo, se eu lembrar de você real e não do que me representa você... e de como é difícil lembrar o teu cheiro, como dói; você que hoje é a roupa que eu compro, você antes era o meu pensamento quando resolvia viver, você era o meu próprio eu; você me fez mau, eu não precisava de mais alguém – se você resolvesse viajar, eu nem levava roupas; depois de você, com os outros, aprendi que quando se vive o que se quer, você se percebe no outro; você beija o outro e, vivendo aquelas frestas de olho nariz cabelo sobrancelha pêlo orelha bochecha lábio, esquece de tudo; você foi a paixão que quebrou tudo: eu não sabia mais estudar, eu não sabia mais ser amigo, eu não sabia mais ser filho; aliás, de tudo fazia pra te ver, nem que fosse passar em frente a tua casa, num caminho absolutamente burro, nem que fosse fazer os amigos passarem em frente a tua casa, pra ver se você estava por lá, nem que fosse pegar o pé de uma flauta doce (aquela parte pequena no final da flauta sabe?) e uma flor amarela no chão suja, colocar esta dentro daquela, e sonhar a beleza do gesto de deixar na porta da tua casa, e eis que sonhando você chegou de carro com amigos, e eu sonhei mais um pouco pensando em destino – pensando em mentiras que desacredito; você era o assunto de qualquer hora, você era a hora pra qualquer assunto

eu morreria junto com você sem pensar
em qualquer outra pessoa & eu ainda penso
na possibilidade da gente fugir e deixar
o tempo, que é o futuro, à margem da nossa vida.

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Fenômeno

você que foi
dieta de mau senso
pensamento suicida
hoje está sendo
o meu qualquer

terça-feira, 8 de junho de 2010

A sola das lágrimas

Eu não escuto mais
a tua voz. Teu silêncio
me vive, e vivo da nostalgia
doída que é não lembrar de ti.
Teu cheiro secou.
O meu encontro com ti são palavras
jogadas ao vazio
que é a distância que nos separa.
Sequer sinto saudades,
não tenho capacidade.
Capacidade, aliás, me falta pra sonhar:
suguei todas as gotas
de sonhos com você.
A gente se encontra,
a gente se toca,
a gente se fala,
a gente se sente,
(a gente se ama
em todos os silêncios
que é o nosso corpo)
e hoje me lembro de nada.
Construí a estória
em todos os minúsculos detalhes,
inventei destinos, criei recomeços;
o tempo lento
– das horas, dias, meses sem você –
te apagou de mim. Hoje,
as pessoas perguntam se você existiu.

Vou inventar outra palavra pra me referir a ti:
teu nome não me arrepia mais.