foto de Spencer Tunick

terça-feira, 15 de março de 2011

A arte de dormir no trabalho

Tribunal. 17h12. Ar condicionado condicionando todos ao frio doentio em que o excelentíssimo masturba seus neurônios à procura de uma decisão justa. Tantos advogados de um lado da mesa, dois do outro. O segredo de justiça em questão é o reconhecimento de vínculo matrimonial. Ao lado dos concisos, uma anciã cheia de jóias. Ao lado da creche de postuladores, um corpo ginasta de rosto maquiado. No vão desse jargão jurídico, um menino de vinte anos abaixa a cabeça, finge ler uma filosofia penal, & sonha.

parágrafo

desespero o suor
de te escrever ao menos
um parágrafo que verse
qualquer prosa
contemporânea,
superlativos (pra ti!) pra te
descrever algum sentimento
romântico, rococós arquitetando
toda uma construção
argumentativa lógica
que te persuada
no sentido de me sentir
mais humano

sexta-feira, 4 de março de 2011

(sem título)

vírgula depois de reticências
continuidade em essência
essência do tempo

25.02.2011

O meu otimismo se expressa da seguinte forma: a vida tem apenas uma condição pra se tornar boa, é necessário se descobrir uma farsa. Dito isto, passo a dissecar uma dissertação. A farsa em minha vida se dá de tal maneira que me imponho escrever estas linhas tão rapidamente pra que minhas próprias ideias não sejam corrompidas por ideias alheias ou pelo esquecimento. A vida se me mostrou pelas vias clichês (e não, pode parecer loucura pra alguns religiosos, mas não ‘tou em meu inferno astral, seja lá que diabo isso for), posso chamar de epifania, mas estaria pensando em Clarice Lispector e, vai vendo, não sou ela! Minha vida se me mostrou d’uma maneira feia pros meus olhos, do que se depreende eu não saber diferenciar o que sou eu em meu ser. Não sei se sou introvertido ou se perpetuo uma depressão. Não sei por que não devo julgar os outros se minha concepção de mundo, se minha ideologia, se minha existência acontece de forma distinta da de um cachorro apenas na medida em que olho o mundo e julgo o que me faz bem. Às vezes me pego dando conselhos amorosos, mas quem sou eu, o que vivi, qual a quantidade de experiências amorosas que já tive pra ter a coragem e a não vergonha-na-cara de dar palpite nos casos dos outros? que tipo de música eu gosto? que tipo de livro? aliás, eu sei ouvir uma música, eu gosto de ler? Eu faço o que faço porque tenho de vontade de fazer ou porque minha cabeça imatura não sabe diferenciar o que gosto do que não? Eu prefiro o humano que se aceita como animal ou o mundo da razão que me coloca por sobre outras formas de vida? Devo ter uma visão universalista e sair por aí pregando ter a pessoa o direito à vida digna, ou devo relativizar e respeitar as diferentes culturas, o costume indígena por exemplo? Talvez a vida esteja aí pra não ser nada, pra estar sendo, ou talvez esta seja apenas uma manifestação do meu pseudo conhecimento e admiração da fenomenologia. Já meu pessimismo se expressa da seguinte forma: eu não sou pessimista, sou triste.

terça-feira, 1 de março de 2011

ca(u)sos

São duas horas e vinte e nove minutos dessa tarde adjetivada, fui dormir perto das duas da manhã, acordei às seis e quarenta da madrugada p’ra ir estudar, e agora o sono resolveu fatigar minhas pálpebras. Cê ‘tá no meio do trabalho, Flaixer, não sonhe dormir! P’ra evitar maiores sonolências, abro o caderno e rascunho estas palavras que você está lendo.
Venho todas as tardes de segunda a sexta-feira p’ra este hospício de pessoas engravatadas, pra ocupar quatro horas da minha não financiada vida boêmia p’ra conhecer a face pública do direito, ou, p’ra ficar sentado dentro de uma sala com pé direito alto – creio ter mais de três metros – na frente de uma máquina tecnológica chamada computador que não me fornece senão um dicionário Aurélio do século XXI, dicionário apelidado de tarefa diária, porque fico descobrindo novas palavras velhas; não, não serei injusto (poderia?), exercito minha anti-monotonia com um jogo de cartas virtuais denominado, pelos próprios criadores do jogo, “paciência”. O mestre doutor excelentíssimo magistrado senta ao meu lado, chega todo dia pontualmente por volta de uma hora e quarenta minutos da tarde, abrindo o portal desta sala com uma força musculosa, quero dizer, digna de vários supinos, momento este que é procedido por um instante fugaz de cerca de dois segundos em que o meritíssimo observa academicamente a atmosfera da sala (talvez esteja conferindo quem está presente e se o ar condicionado ‘tá numa temperatura agradável, talvez). O escrivão é uma figura típica, parece com várias personalidades, gordinho e com uma voz estrondosa, senta ao lado do senhor data venia com “d” e “v” maiúsculos, e sempre trás um minicafé com as devidas justificativas de que “tá quentinho!, acabou de ficar pronto”, p’ra não aparentar bajulador. Toda quarta-feira é dia de audiência: o corredor na frente da sala santificada parece metrô da Sé às seis da tarde. O segredo de justiça, aliás, me impede de contar sobre os casos & causos arquitetonicamente peticionados e persuasivamente acordados. No mais, nunca se esqueça de bater no portal três vezes – no máximo – antes de entrar, esperar o escrivão abrir ou liberar a entrada já que você ousado abriu cauteloso cerca de trinta centímetros, e se referir ao juiz com todos os prenomes cordiais.