foto de Spencer Tunick

domingo, 20 de fevereiro de 2011

Rascunho duma crônica

Antes de começar a escrever,
faço um pacto com o papel:
teu branco não
poderá ofuscar meu garrancho.
Porque no fundo é isto,
uma briga pra ver quem acontece
– se o papel
e todo esse silêncio orquestrado,
se minha mão e toda essa formalidade
de escriba. Mas paro antes de pensar
no que vou escrever e ideias
sobre o equilíbrio me corrompem: não prosarei
palavras sobre balanças, a não ser esta negação;
seria tudo pessimismo? depressão perpetuada?
escolhas introvertidas de alegria?
desistência de um caminho difícil?
E todas essas perguntas não me dizem
mais que uma música parada antes do fim.
E todo fim tem seu começo
na escolha por não ser mais.

sábado, 19 de fevereiro de 2011

Ode ao tribunal (ou Ódio)

aqui entram ternos
engravatados ternos talvez
porque externos aos ternos
são estereotipados

pobres os que querem se internar!

127.

“Não me indigno, porque a indignação é para os fortes; não me resigno, porque a resignação é para os nobres; não me calo, porque o silêncio é para os grandes. E eu não sou forte, nem nobre, nem grande. Sofro e sonho. Queixo-me porque sou fraco e, porque sou artista, entretenho-me a tecer musicais as minhas queixas e a arranjar meus sonhos conforme me parece melhor a minha ideia de os achar belos.
Só lamento o não ser criança, para que pudesse crer nos meus sonhos, o não ser doido para que pudesse afastar da alma de todos os que me cercam,

Tomar o sonho por real, viver demasiado os sonhos deu-me este espinho à rosa falsa de minha sonhada vida: que nem os sonhos me agradam, porque lhes acho defeitos.

Nem com pintar esse vidro de sombras coloridas me oculto o rumor da vida alheia ao meu olhá-la, do outro lado.

Ditosos os fazedores de sistemas pessimistas! Não só se amparam de ter feito qualquer coisa, como também se alegram do explicado, e se incluem na dor universal.

Eu não me queixo pelo mundo. Não protesto em nome do universo. Não sou pessimista. Sofro e queixo-me, mas não sei se o que há de geral é o sofrimento nem sei se é humano sofrer. Que me importa saber se isso é certo ou não?
Eu sofro, não sei se merecidamente. (Corça perseguida.)
Eu não sou pessimista, sou triste.”


(in Livro do Desassossego, páginas 148-149, de Fernando Pessoa)

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

o vagalume emprestado

a luz tem uma casca
que a envolve e resolve
quem entra e quem sai
porque se esconde
em tudo o que é
confim

só a calmaria conhece.