foto de Spencer Tunick

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Visto que tu me faz ser, visto-me de tu

Teu perfume
enfurnado
pelo vidro fechado
de teu carro
me desatenta
qualquer atenção
que forçoso finjo,
me desalenta, porém,
por não poder tocar-te
o corpo nu
– no mais, por não
poder sentir-me,
à medida que tua extensão
é parâmetro
para eu me notar
a epiderme.

Carta ao Sentir

Papel em branco que me aguarda ansioso,

venho por meio desta faca maquiada de caneta bic tatuar em você minha angústia fenomênica transitada em julgado na forma de palavra.
É a síntese do necessário.

Com a vênia devida,
Subscrevo.

Teu silêncio és uma orquestra de sangue

Quero fazer de minhas vontades
uma pirâmide de cartas de baralho
que qualquer vento – silêncio –
é capaz de desmoronar.

Este o corolário de minhas paixões
milimetricamente arquitetadas
sobre o sonho que vivo no gerúndio.

(Se tu me quisesses
me convidarias pra sair

eu te quero, saibas!
& te sinto ao meu lado
a cada tom de tua voz muda.)

sábado, 10 de setembro de 2011

Meu sangue te sugou

I
Tua língua me pediu para ficar.

II
Mandei uma mensagem dessas que toca o celular e vibra a alma e tu me respondeu dentro dos próximos cinco minutos – o tempo suficiente e necessário para manter equilibrada a ansiedade – e como que se me quisesse, e me querendo e eu te querendo, saímos à tardinha, na sombra das ruas underground, pr’um filme qualquer, pr’um motivo qualquer que te colocasse ao meu lado (confesso, agora, que precisei de tu pra esquecer o presente desgostoso do presente). Os curtas acabaram. Tu, ao final, me perguntou o que achei, qual preferi, e eu não sabendo ao certo disse que achei tudo estranho, que não gostei. Tu concordou e tudo treslucidou. Aí eu te queria mais tempo por perto e convidei pr’uma cerveja despretensiosa, pr’uma companhia que me alegra a vida e só. Vai que tu quisesse ficar mais? vai que a gente jantasse juntos como há muito não havia? vai que o tempo pudesse brigar com a lógica e andar em passos lentos? O acontecido foi que conversamos sem o tempo futuro incomodar, sem o dia seguinte chacoalhar a razão batendo incessante à porta, sem querer sair de perto um do outro; ou eu de tu. [juro, Papel, não mentirei a você! minha sinceridade será tatuada a sangue em teu branco.] Quis perpetuar o instante de dois e minhas tentativas restaram frutíferas. Tu me falou das tuas verdades, das tuas tristezas, e de tudo o que se conversa em uma mesa de bar durante cinco horas, banhadas do assunto que nunca conversamos, da conversa que nunca tivemos. Eu te falei o que quis te falar naqueles versos, nem lembro, ou lembro e isso me é desimportante. O clímax foi quando dissertamos sobre o que faríamos depois & o depois se transfigurou no agora, saindo, eu e tu, pr’uma boate que serviu de bar, de carinho e de qualquer coisa que signifique nossas pernas se roçando, nossas mãos se tocando e minha boca te sentindo a língua. Claro que o que se procedeu foi mais, não tenho dúvidas, mas não pra mim, e sim pra tu, já que foi tu quem disse que tua amiga falou que combinávamos, foi tu quem disse que teu namorado imaginava que você me experimentaria, e foi tu quem me quis na tua casa, mesmo eu propondo, sem representar minha vontade, que eu fosse embora, naquela caminhada antes e depois do metrô. Eis que entrei na tua morada, vi as cinzas da cachorra no pote defronte à porta, sentei no sofá ao teu lado, e tu propôs, envergonhada, que subíssemos pro quarto já que a janela da sala, às cinco da manhã, nos propagandeava. A gente tirou a roupa, tu me massageou como nunca, eu fingi uma sabedoria inútil, e pelos pêlos a gente dormiu abraçados. No dia seguinte tu me chupou. (Confesso, também, que tua boca me fez sentir mais vivo.) Mas a tua empregada me apressava como se alguma realidade precisasse existir. Fui embora em tchau fugaz. À tarde, mandei uma mensagem sem minh’alma vibrar e tu respondeu bem. É que aí acreditei no amor. Só que o cimento da cidade de São Paulo me afastou de tu, o cimento da cidade que transforma tua vontade em repressão me afastou de tu, e, mesmo com o tempero de árvore na Pôr-do-Sol, esse cimento todo me afastou de tu. Como se tu quisesse te conhecer, tu fechou teus olhos.

III
Fechar os olhos não apaga o fora.

A cara do silêncio (ou Orquestra sinfônica de palavra)

Se eu te narrar meu conto,
tu sairás correndo
e nem olharás para trás,
rasgarás todas as cartas
que te entregarei,
beijarás teu namorado
em todos os olhares
nos quais em tu me agarrarei,
ou, no caso de ele não estar
ao teu lado, eu nem existirei
no defronte do teu silêncio reticente.

Ódio ao vício (ou Ode a isso)

Eles são iguais a nós, mas os olhos do doutor sociedade não os enxergam, mesmo estando eles prostrados no chão sujo do centro da cidade, porque eles são o que há de mais humano em nós: vontade em potência; não me venham os senhores advogados, os excelentíssimos magistrados, os doutos promotores de justiça, ou qualquer coisa que os valha (leia-se qualquer profissão que na pífia tentativa vã de existir se julga sobre as demais) cuspir leis que não servem senão para regulamentar relações distantes da que o quase morto de fome vive nas longas 24 horas de um dia do relógio burguês.

domingo, 4 de setembro de 2011

Ensaio sobre quando o tempo fica à margem II

I
verbos que neste papel
em branco jazerão
busco em vocês a liberdade
que o pensamento
não me permite viver

II
várias foram as vezes que esbocei palavras a fim de me desenlouquecer, p’ra vomitar este verme que me estremece o corpo e dói nos dias que não passo ao teu lado, e nada (como haveria de ser!), mas persisto e a cada nova tentativa antiga procuro redigir sinfonicamente estes vocábulos p’ra te impressionar; por vezes os sustenidos podem soar estranhos, é que a estética do meu dizer é tão marginal que, por mais clássica, não a reconhecem; mas não te percas nas entrelinhas de um bemol

III
te sonharia caso pudesse pensar
em outra coisa senão tu

IV
minha voz desnuda muda o tom das palavras que te direi, subo uma escala p’ra dissertar que de nada valem as mentiras – se te quero é porque meu corpo te deseja!, sem aspas conduzindo à delicadeza vazia da palavra macia; mas não nego que enfeito o meu quarto com o teu perfume

V
eu não só te queria
eu te seria

VI
há tanto quero escrever uma carta p’ra você, evidenciando mentiras, dissertando sobre minha dieta de mau senso, sobre meu teórico suicídio amoroso; e esta está sendo a carta, porque desde quando você se tornou meu foco, ou, desde quando conversamos você virou poesia p’ra mim, você virou tudo porque desarrumou o aqui dentro e porque qualquer coisa era você; ai!, de quando descendo a rua, a ladeira que hoje é memória, voltei correndo em passos lentos p’ra casa, percebendo o verde do mato que tem naquela praça, o rosa da orquídea agarrada à árvore – imperceptível a olhos acostumados –, os degraus que eram todas aquelas ruas da distância que nos separava: poucas casas; a mentira do tio, da capoeira, do barbeiro, de tudo o que fosse p’ra me deixar mais tempo ao teu lado, como se o tempo pudesse resolver morrer (o tempo não morre, ele é no gerúndio, e a nossa proximidade se tornou abismo); inventei pseudônimos, sufoquei vários papeis de tantas palavras que precisavam ser ditas e inventei algumas, inventei momentos futuros, o passado, o eu p’ra te ter por perto: eu não era torcedor, contei verdades, mas falava de futebol p’ra parecer menino moleque; descobri que podia me sentir bem – precisava te ter ao meu lado –, descobri que o amor é uma coisa escrota, ironicamente, porque escrevendo agora escrevo pieguices, besteiras, e ainda sim tenho coragem de tatuá-las neste papel, por mais que eu possa jogar ele fora a qualquer instante; minto p’ra mim sempre p’ra não pensar em ti e gosto de pensar em ti, de forma que odeio pensar porque percebo que sempre sonho no que diz respeito ao teu nome, o teu nome que já não me arrepia mais, mas, ah!, se eu imaginar a tua voz, o teu cabelo liso e o teu carinho falando comigo, se eu lembrar de você real e não do que me representa você... e de como é difícil lembrar o teu cheiro, como dói; você que hoje não é senão retrato p’ra mim, você antes era o meu pensamento quando resolvia viver, você era o meu próprio eu; você me fez mau, eu não precisava de mais alguém – se você resolvesse viajar, eu nem levava roupas; você foi a paixão que quebrou tudo: eu não sabia mais estudar, eu não sabia mais ser amigo, eu não sabia mais ser filho; aliás, de tudo fazia p’ra te ver, nem que fosse passar em frente a tua casa, num caminho absolutamente burro, nem que fosse fazer os amigos passarem em frente a tua casa, p’ra ver se você estava por lá, nem que fosse pegar o pé de uma flauta doce (aquela parte pequena no final da flauta, sabe?) e uma flor amarela no chão suja, colocar esta dentro daquela, e sonhar a beleza do gesto de deixar na porta da tua casa, e eis que sonhando você chegou de carro com amigos, e eu sonhei mais um pouco pensando em destino – pensando em mentiras que desacredito; você era o assunto de qualquer hora, você era a hora p’ra qualquer assunto

VII
eu morreria junto com você sem pensar
em qualquer outra pessoa & eu ainda penso
na possibilidade de a gente fugir e deixar
o tempo, que é o futuro, à margem da nossa vida.