Desesperado, com medo de ser estuprado pelo gay bombado e, diga-se extremamente de passagem, negro, me transmuto na mentira de ir embora. Teatralizo e me recomponho aleatoriamente em outro assento. Sento. E invento maneiras de olhar para trás sem olhar para trás, sem ao menos demonstrar qualquer fração de movimento que possa evidenciar meu desespero ou minha – agora próxima – rota de fuga, seja olhando pelas estribeiras do chumaço de cabelo do lado esquerdo ou do chumaço de cabelo do lado direito, seja olhando de canto de olho com a cabeça no mesmíssimo lugar pelo reflexo do vidro, seja olhando para trás na mais forçada arte de fingir; tudo isso que é bem visível aos olhos de um espectador um pouco atento quanto invisível à esperança de mascarar inquietude. Aceito a condição e enraízo, a fim de inventar mais uma maneira de encenar em minúcias, a palma suja de ônibus de minhas mãos no botão que cenografará meu adeus.
Em uma epifania, esqueço e enxergo tão-somente a vida do indivíduo desconhecido à minha frente. Enxergo, em verdade, as migalhas – buscando alguma lógica – da estória que vou dar a esta personagem: o velho dos seus 50 anos em um ônibus da madrugada que lê um livro de Ésquilo.
A epifania morre.
Corta a cena. Transfere o frame para dois dias depois.
O intelectual esculpido em mendigarias: o outro velho dos seus 50 anos em um ônibus quase ao crepúsculo que canta Martinho da Vila à la Seu Jorge. E faz a diversão do público alvo que não estava querendo assistir à peça alguma. As piadas bêbedas de alguém que só precisa contar sua História.
O devaneio morre.
Esquece o futuro. Volta para a realidade.
Minha mão continua apalpando o mesmo ainda não apertado botão do meu adeus. Fingindo descanso. Eis que chega a tão adiada hora e aperto o maldito botão e volto à encenação. Agora o impasse é outro, devo sair decidido e sem fazer alarde; a sutileza de uma brutalidade.
E tudo não passou da cabeça de um paulistano endoidecido pelo medo de ser assaltado. Mais uma estória que poderia ter sido esquecida.
quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010
sábado, 13 de fevereiro de 2010
sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010
Por amor
quando estou com você
não sinto você
me esqueço
em mim
ou da vida ou dessa vida
que se esvai
rápido
que acaba
e já invento e já nem lembro
do teu perfume
impregnado em minhas imaginações
em meus tesões
que no fim das contas acabaram
por me condenar à tristeza eterna
de um dia sem você
forçado
por que a distância é necessária
quando se não quer o que se quer
e da já antiga filosofia
de um dia
que em egoísmo me esqueço até de mim
que só me lembro refletido em teus olhos
e da tua voz esperadamente aguda e bêbada
confessando impropérios
vontades profundas que se externalizam
por cerveja demasiada
é que minha cabeça me consola
e minha cabeça me matou
por amor, vá lá.
não sinto você
me esqueço
em mim
ou da vida ou dessa vida
que se esvai
rápido
que acaba
e já invento e já nem lembro
do teu perfume
impregnado em minhas imaginações
em meus tesões
que no fim das contas acabaram
por me condenar à tristeza eterna
de um dia sem você
forçado
por que a distância é necessária
quando se não quer o que se quer
e da já antiga filosofia
de um dia
que em egoísmo me esqueço até de mim
que só me lembro refletido em teus olhos
e da tua voz esperadamente aguda e bêbada
confessando impropérios
vontades profundas que se externalizam
por cerveja demasiada
é que minha cabeça me consola
e minha cabeça me matou
por amor, vá lá.
sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010
(poema-canção-clipe) Nome
"algo é o nome do homem
coisa é o nome do homem
homem é o nome do cara
isso é o nome da coisa
cara é o nome do rosto
fome é o nome do moço
homem é o nome do troço
osso é o nome do fóssil
corpo é o nome do morto
homem é o nome do outro"
(in Nome, de Arnaldo Antunes)
coisa é o nome do homem
homem é o nome do cara
isso é o nome da coisa
cara é o nome do rosto
fome é o nome do moço
homem é o nome do troço
osso é o nome do fóssil
corpo é o nome do morto
homem é o nome do outro"
(in Nome, de Arnaldo Antunes)
terça-feira, 2 de fevereiro de 2010
A incivilização de todo dia
é na nossa praia deserta
que o verbo áspero do amor acontece
e só lá para nós, restrito
em nossa liberdade
pessoal
por que quando estou lá com você me esqueço
em nossas núpcias
e nem me percebo mais
e nem me percebo mais sendo sentido
a não ser quando teu olho me maquia
em silêncios de face risonha
de tão natural, intensa
relação de um animal
que não quer mais pensar.
que o verbo áspero do amor acontece
e só lá para nós, restrito
em nossa liberdade
pessoal
por que quando estou lá com você me esqueço
em nossas núpcias
e nem me percebo mais
e nem me percebo mais sendo sentido
a não ser quando teu olho me maquia
em silêncios de face risonha
de tão natural, intensa
relação de um animal
que não quer mais pensar.
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