foto de Spencer Tunick

sábado, 19 de fevereiro de 2011

127.

“Não me indigno, porque a indignação é para os fortes; não me resigno, porque a resignação é para os nobres; não me calo, porque o silêncio é para os grandes. E eu não sou forte, nem nobre, nem grande. Sofro e sonho. Queixo-me porque sou fraco e, porque sou artista, entretenho-me a tecer musicais as minhas queixas e a arranjar meus sonhos conforme me parece melhor a minha ideia de os achar belos.
Só lamento o não ser criança, para que pudesse crer nos meus sonhos, o não ser doido para que pudesse afastar da alma de todos os que me cercam,

Tomar o sonho por real, viver demasiado os sonhos deu-me este espinho à rosa falsa de minha sonhada vida: que nem os sonhos me agradam, porque lhes acho defeitos.

Nem com pintar esse vidro de sombras coloridas me oculto o rumor da vida alheia ao meu olhá-la, do outro lado.

Ditosos os fazedores de sistemas pessimistas! Não só se amparam de ter feito qualquer coisa, como também se alegram do explicado, e se incluem na dor universal.

Eu não me queixo pelo mundo. Não protesto em nome do universo. Não sou pessimista. Sofro e queixo-me, mas não sei se o que há de geral é o sofrimento nem sei se é humano sofrer. Que me importa saber se isso é certo ou não?
Eu sofro, não sei se merecidamente. (Corça perseguida.)
Eu não sou pessimista, sou triste.”


(in Livro do Desassossego, páginas 148-149, de Fernando Pessoa)

Um comentário:

  1. esse texto deveria estar em todas as portas de banheiro, botecos, restaurantes e salinhas pra ninguém se esquecer que é feio se sentir triste e dizer que tá triste
    e é sempre uma bênção saber que vc tem um bom gosto danado, pq né, se não tivesse, 70% dos nossos planos iriam por água abaixo (imagina a treta que seria pra fazer arroz, por exemplo)
    beijos e cheiros

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