foto de Spencer Tunick

domingo, 11 de agosto de 2013

Fragmentos

(I)
Muros longínquos 
Na polidora esgarçada dos sonhos. 
Tão altos. Fulgindo iluminuras. 
Muros de como te amei: Brindisi. 
Altamura 
E muros de chegança. De querença. 
Aquecidos. Anchos. 
O tenro entrelaçado à tua fala: 
Teu muro de criança.

(II) 
Muros dilatados de doçura: 
Romãs. Dálias purpúreas. 
Irmãos adultos 
Recostados na manhã de chuvas. 
Muros do encantado da luxúria. 
Fendas. Nesgas de maciez.

(III) 
Muros prisioneiros de seu próprio murar. 
Campos de morte. Muros de medo. 
Muros silvestres, de ramagens e ninhos: 
Os meus muros da infância. Esfacelados. 
Muros de água. Escuros. Tua palavra: 
Um mosaico de vidro sobre o teu rosto altivo. 
Devo me permitir te repensar?

(IV) 
Muros intensos 
E outros vazios, como furos. 
Muros enfermos 
E outros de luto 
Como o todo em mim 
Na tarde encarcerada 
Repensando muros. 
A alma separada de ti 
Vai conquistar a chaga de saltar.

(V) 
Muros agudos 
Iguais à fome de certos pássaros 
Descendo das alturas. 
Muros loucos, desabados: 
Poetas da Utopia e da Quimera. 
Muro máscara disfarçado de heras. 
Muros acetinados iguais a frutos. 
Muros devassos vomitando palavras. 
Muros taciturnos. Severos. 
Como os lúcidos pensadores 
De um sonhado mundo.

(VI) 
Muros castos e tristes 
Cativos de si mesmos 
Como criaturas que envelhecem 
Sem conhecer a boca 
De homem e mulheres. 
Muros escuros, tímidos: 
Escorpiões de seda 
No acanhado da pedra. 
Há alturas soberbas 
Danosas, se tocadas. 
Como a tua própria boca, amor, 
Quando me toca.

(VII) 
Muros cendrados. 
De estio. De equívoca clausura. 
Lá dentro um fluxo voraz 
De sentimentos, um tecido 
De escamas. Sangue escuro. 
Lá. Depois do muro. 
Criança me debrucei 
Sobre a tua cinzenta solidez. 
E até hoje me queima
A carne da cintura.


(in Rútilo nada, páginas 100-103, de Hilda Hilst)

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